Rush: a excelência ao vivo, Pt. 1

Carlos H. Silva

O Rush sempre foi uma banda muito significativa no palco; constantemente é eleita entre os principais nomes quando o assunto é a melhor performance e melhor show produzido. Sem ser "mão de vaca", a banda apresenta shows com  duração de mais 3 horas noite após noite, dividos em duas partes e com set lists que passeiam por todos os seus discos. Os ícones do rock progressivo canadense também tiveram diversas fases diferentes na carreira e isso foi sempre muito bem documentado pela sua grande e ótima discografia ao vivo.

Durante as primeiras décadas, esses "live" eram registrados a cada 4 álbuns de estúdio (o que, por curiosidade, era a quantidade de discos que durava cada "fase" da banda) e mais tarde, já na atual década, eles são registrados a cada álbum de estúdio ou turnê comemorativa.

Em um post especial dividido em duas partes, veremos como são importantes para o Rush esses excelentes discos registrados ao vivo.



1976 - All the World's a Stage
Até aqui, o Rush estava começando as experimentações progressivas. O primeiro álbum, Rush (1974) é hard rock básico e com a entrada de Neil Peart a partir do segundo trabalho, Fly by Night (1975), o som da banda começou a ficar mais trabalhado e mais progressivo, principalmente com Geddy Lee e Alex Lifeson se concentrando mais na música, enquanto Neil escrevia as letras. Caress of Steel (1975) e 2112 (1976) já eram completos discos progressivos, considerados até como os pais do heavy metal progressivo, título que é difícil tirar do Rush. E foi na turnê deste último que eles gravaram em Toronto, no Massey Hall, entre 11 e 13 de junho de 1976 o álbum All the World's a Stage , duplo (em vinil), onde a banda registrou material que vai desde o hard rock básico de canções como In the Mood, What You're Doing Lakeside Park, até as épicas By-Tor and the Snow Dog 2112 (quase inteira), além do hino de descoberta do Rush, Working Man, com seu clássico riff. O álbum foi produzido por Terry Brown e o título foi tirado de As You Like It, de William Shakespeare (e que apareceu novamente em uma das mais famosas canções da banda anos mais tarde, Limelight).



1981 - Exit... Stage Left
A partir de 1977, os caras mergulharam no som progressivo de vez, e o resultado foi brilhante: A Farewell to Kings (1977) e Hemispheres (1978) mostraram ao mundo o que esses três juntos eram capazes de fazer em todos os sentidos: como compositores e instrumentistas; mas o trio achou que o disco de 1978 era o limite e que dali em diante deveriam deixar o som mais elegante e refinado, a mistura exata entre o heavy progressivo e o hard rock. Surgiu então Permanent Waves (1980) e logo depois seu maior clássico, Moving Pictures (1981), dois discos que cumpriram bem o seu papel: misturar o progressivo setentista com o que de novo havia naquele fim de anos 70/começo dos 80; eram claras as influências de bandas como The Police, por exemplo. Exit... Stage Left foi gravado em três shows que foram separados por quase um ano: parte do material (faixas 4-7) foi capturado em 10/11 de junho de 1980, no Apollo, Glasgow, Escócia, na turnê do disco de 1980 e outra parte (faixas 1-3 e 8-13) no dia 27 de março de 1981, no The Forum em Montreal, na turnê do álbum de 1981. A banda focou o tracklist no material da segunda fase, mas sem esquecer os primeiros discos que foram representados com canções como A Passage to Bangkok Beneath, Between and Behind, que ficaram de fora de All the World's a Stage. Clássicos da segunda fase da banda como Tom Sawyer, La Villa Strangiato, The Spirit of Radio, Freewill Closer to the Heart estão presentes; uma versão em VHS (e posteriormente em DVD) foi lançada com um tracklist diferente em que canções que estão no disco não são apresentadas e outras como Limelight, 2112, In The Mood, In The End e By-Tor and the Snow Dog, que não estão no álbum, aparecem.

O nome Exit... Stage Left saiu de um personagem de Hanna Barbera, o Snagglepuss (Leão da Montanha no Brasil), que quando se via em algum problema dizia "exit... stage left" ou "exit... stage right" e saía correndo. Neil Peart, em entrevista à Jam! Showbiz em 1996, disse que a banda pretendia usar apenas o rabo do personagem na capa do disco, mas que não foi possível devido a quantidade enorme de dinheiro que a produtora do desenho pediu.

Com isso a capa acabou ficando simbólica, já que entre todo o desenho que cobre até a contracapa são encontrados ítens de cada uma das capas anteriores dos álbuns do Rush: a coruja de Fly By Night sobrevoa o Apollo, o homem de terno de Hemispheres  fica ao lado da mulher de Permanent Waves, o rei Fantoche de A Farewell to Kings fica no topo de uma caixa que tem o logo tipo do álbum Rush, ao lado há uma pintura com a capa de Caress of Steel sendo carregado por um dos caras da capa de Moving Pictures. Próximo está Dionísio, o homem  nu de Hemispheres e por trás da cena está o starman da capa de 2112, próximo de um sinal de "exit".
Em 2004 este trabalho foi eleito pela Classic Rock Magazine como o 9° melhor disco ao vivo de todos os tempos.





1988 - A Show of Hands

Após o estouro de Moving Pictures , Lee, Lifeson e Peart resolveram modernizar ainda mais o som do Rush e começaram a introduzir cada vez mais o som de teclados e sintetizadores em detrimento à guitarra (o que quase decretou o fim da banda anos mais tarde), e isso começou já no álbum Signals (1982) que teve como maior hit a clássica Subdivisions, um hino já completamente sintetizado pelos teclados, seguiu-se a ele Grace Under Pressure (1984), que ainda mantinha o lado hard rock da banda, e depois vieram Power Windows (1985) e Hold Your Fire (1987), ambos já completamente tomados pelo som dos teclados de Geddy Lee, que a essa altura praticamente dividia em 50%/50% suas ocupações como baixista e tecladista. A Show of Hands , bem como o ao vivo anterior, foi gravado em shows diferentes em turnês diferentes: há material gravado em New Jersey na turnê de 1986 e outra parte gravada na turnê de 1988 em Birmingham (Inglaterra), New Orleans, San Diego e Phoenix (EUA). O tracklist é um resumão da terceira "tecladeira" fase  da banda: The Big Money, Marathon, Manhattan Project, Mission, Time Stand Till, Red Sector A...  Também como Exit... Stage Left , houve um lançamento em vídeo com tracklist diferente, onde canções mais antigas como 2112, The Spirit of Radio In the Mood entraram.



1998 - Different Stages
Com o ciclo anterior de 4 discos de estúdio e 1 ao vivo encerrado, foi a vez dos três sentarem à mesa e discutirem o futuro do Rush; Alex Lifeson sentia que sua guitarra havia perdido muito espaço durante os anos 80 e exigiu um corte de teclados no som da banda dali em diante, o que foi acontecendo gradativamente conforme os discos iam sendo lançados: Presto (1989), Roll the Bones (1991), Counterparts (1993) e Test for Echo (1996). Ao ouvir os 4 álbuns na sequência é claro o fato de que o teclado foi caindo, caindo, e a distorção aumentando, aumentando... foi o retorno do Rush à primeira fase da banda, só que com uma roupagem mais moderna. E o trabalho ao vivo encarregado de registrar essa quarta era do Rush foi Different Stages. Lançado já na era do CD, foi um disco triplo onde o terceiro CD trazia um registro ao vivo no Hammersmith Odeon, em Londres, em 1978 e os discos 1 e 2 traziam gravações das últimas duas turnês dos canadenses, prevalecendo uma maioria gravada em 1997 no World Amphitheater, em Tinley Park, Illinois. Este álbum tem uma peculiaridade interessante: é o único registro ao vivo da banda que traz a canção 2112 na íntegra. O mais perto disso foi no disco All the World's a Stage, onde 5 das 7 partes da canção foram executadas. Clássicos da 4° fase da banda marcam presença aqui: Dreamline, Driven, Bravado, Animate, Nobody's Hero, Roll the Bones Test for Echo dividem o espaço com hinos antigos como YYZ, Tom Sawyer Natural Science (clássico de Permanent Waves que apareceu registrada pela primeira vez ao vivo só aqui).



2003 - Rush in Rio
Rush in Rio marca a quebra de alguns paradigmas para o grupo: pela primeira vez a banda lançou um disco ao vivo sem ter registrado 4 álbuns de estúdio antes, pela primeira vez a banda tocou na América do Sul, no show de São Paulo a banda tocou para o seu maior público até então e foi o primeiro lançamento triplo onde todos os 3 cds são da mesma época. O registro marca também o retorno do Rush após um período conturbado. Logo após Test for Echo e Different Stages , o baterista Neil Peart perdeu tragicamente em um intervalo de 10 meses, sua esposa e sua filha, vítimas de um câncer e um acidente de carro, respectivamente. O baterista precisou de um tempo para se recuperar das tragédias e a banda parou por tempo indeterminado sem mesmo saberem se um dia retornariam. Neil viajou o mundo com sua moto em busca do conforto espiritual e quando se sentiu pronto para retornar, avisou Geddy e Alex, e os três voltaram ao estúdio e de lá saíram com o denso álbum Vapor Trails (2002), um disco sujo e pesado, que pecou na época pela má produção e mixagem (problemas que só foram corrigidos agora em 2013, com o relançamento dele completamente remixado), mas que rendeu uma bela turnê ao Rush, que teve seu ápice nos shows do Brasil. A banda tocou para 60 mil fãs no estádio do Morumbi em São Paulo e 40 mil no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. O show do RJ foi escolhido porque foi o que teve menos problemas técnicos entre os dois, e o set list englobava todas as fases da carreira e algumas canções de Vapor Trails, incluindo os clássicos do início Working Man e By-Tor and the Snow Dog, épicos da fase mais fundamentada no prog como The Trees e La Villa Strangiato, passando pela fase dos teclados em Distant Early Warning e  Red Sector A, e pelo retorno ao som mais pesado em Dreamline Driven. A plateia brasileira dá um destaque à parte para a versão em vídeo, sendo até hoje citada em fóruns do mundo todo e pelo próprio Geddy que considera este um dos melhores ao vivo do Rush, apesar de todos os problemas técnicos.











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